«Começou numa manhã
de Verão», segredou-me ela. Estávamos os dois a contemplar a maresia que batia
nas rochas. O suave barulho das ondas enchiam o vento ligeiro que soprava nas
nossas faces. O calor queimava os nossos braços, mas não nos incomodava. A maresia
suave que vinha da praia causava aquela sensação agradável do calor do sol e o
frio do vento.
Olhei-a e sorri. Os seus
olhos azuis observavam as crianças que jogavam à bola na beira mar. Tinha um
cabelo castanho a fugir para o loiro que lhe caía pelas suas nuas costas. Mexia
os seus delicados pés na areia escaldante da praia.
Ficamos os dois em
silêncio a observar um barco que flutuava nas ondas azuis do mar. Atrás de nós
ouvíamos umas pessoas a explicar como tinha morrido por um cancro no esófago um
familiar próximo. Umas gaivotas sobrevoavam as rochas, talvez na procura de
moluscos ou de restos de peixes. Bebi, com o barulho, o sumo de laranja que
estava na garrafa ao meu lado direito.
«Começou numa manhã
de Verão», segredou-me a segunda vez quando se encostou ao meu ouvido. Nada acrescentei.
Eu estava ali para ouvi-la e já fazia cinco anos que não nos víamos. Cinco longos
anos em que as vidas nos separaram. Agora olhou-me e sorriu um amargo sorriso.
- Porque foste
embora?
Ela disse apenas
isto, mas a sua vontade era abraçá-lo e dizer que o amava. Às vezes, é
necessário ouvir da outra pessoa o que ela não diz.
- Não tive opção. Que
fazia aqui?
- Tu não me amavas.
Eu nada respondi. Não
tinha coragem para lhe dizer fosse o que fosse. Sei que tinha aberto muitas
feridas no seu coração e que nada podia fazer para as sarar. O tempo faz
esquecer as feridas, mas não as fecha. Fiquei algum tempo a ver o seu cabelo
deitado sobre o seu peito.
- Eu amava-te, mas
não te podia ter.
- Deixaste-me durante
cinco anos e agora apareces?
Ela não chorava. O tempo
tornava-a fria e insensível. O seu olhar penetrante incomodava-me e eu fui
obrigado a desvia-lo e ficar a contemplar a paisagem que o meu olhar pintava. Tentava
assim ganhar coragem, mas apenas escondidas lágrimas surgiram.
- Compreendi que
naquele tempo não te podia ter. Era jovem e imprudente.
Ficamos novamente em
silêncio com os olhares fundidos na natureza do mar. as palavras falhavam e as
mágoas subiam do esquecimento. Nem eu, nem ela tínhamos ousadia de dizer algo. Estávamos
os dois com saudades um do outro, mas recusava-nos a aceitar tal facto.
Olhei-a naqueles
olhos claros perdidos. A angústia brotava do meu peito e uma saudade tocava o
meu coração. Encostei os meus lábios ao seu ouvido e disse-lhe:
- Desculpa.
Desviei-me e fiquei
na expectativa a observá-la. Ela continuava distraída com o seu olhar atento
sobre a criançada alegre que brincava com a areia. Ficou assim algum tempo
imóvel. Bebi novamente um pouco de sumo. No fim ela olhou-me e ficou naquele
fio invisível que só o olhar cria a ver-me. Abraçou-me e disse ao ouvido:
- Como disse, “Começou
numa manhã de Verão”, e vai começar mesmo. Estás perdoado. Amo-te tanto.
Beijou-me e eu
compreendia o que significava aquele beijo. O amor é assim: deve surgir de um
beijo e num olhar carregado de confiança.
«Amo-te também»,
revelei eu e ficamos assim abraçados naquela manhã de Verão esperando que a
noite chegasse.
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