quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015


A casa estava deserta. Quando abri a porta compreendi isso mesmo. Não existia vivalma naquela casa onde outrora fôramos felizes. Era de noite. Pequenas sombras revelavam-se sobre as opacas janelas de madeira. Os móveis, de esquecidos que estavam, formavam uma pequena película – quase invisível aos olhos – de pó. Andei, pé ante pé, sobre os corredores que conhecia melhor do que a minha própria vida. Neles recordava a minha felicidade, ou melhor, a nossa felicidade; a insaciedade dos beijos, o calor dos abraços, a volúpia dos olhares, o toque faminto das nossas mãos à procura, sobre a seda, do caminho enigmático que morava em cada um. Por momentos deixei-me ser guiado pelo calor das recordações. Como que, aqueles corredores não me levassem ao meu destino, mas à guisa das recordações que estavam aferrolhadas no meu peito. Fui guiado nesta noite. Vi o teu rosto. Perdi-me nos corredores do teu esquecido corpo. Fui levado por ti e deixei-me ser conduzido por esta sensação estranha, mas incrivelmente calorosa. Estava louco. Lançava sorrisos carregados de lembranças. Em meus lábios pairavam a obscura imagem do que sobrou de uma recordação.   
Atravessei um longo período de obscuridade, troquei várias vezes – sem me dar conta – a realidade pela ficção.  Pode-se mesmo dizer que fui tomado pela insanidade e ofusca luz do momento. Porém, por fim, regressei ao lugar que me pertence. Estava à minha espera. Deserto. Ansiava por companhia. Tinha vontade própria. Soube, a partir deste momento, que nada existe à minha volta sem ser esse lugar. Algo se construía nesse lugar. Algo que nunca vi. A paisagem nocturna adquiria a espessura, a subtil contradição, o encanto puro dos sonhos mágicos que nasciam no meu peito. Era algo invisível, incorpóreo, no entanto eu sentia. Algo – não sei ao certo o quê – estava a ser construído neste espaço. Pousei a lamparina na escrivaninha e apaguei-a com um leve sopro. Olhei para o nosso quarto. Tudo permanecia nos mesmos sítios que eu conhecia. Apenas faltavas tu.
Atirei-me para a cama fria. A noite envolvia o meu corpo em sombras e jogos de luzes. Estava exausto, para falar a verdade. Percorri durante horas à tua procura e, agora que encontro o nosso lugar, tu nele não habitas. Está deserto. Sem vida. Apenas nele moram as recordações, as memórias, as velharias e obsoletas vidas passadas, esquecidas. Ao fim de algum tempo, com os olhos enevoados de lágrimas, debrucei-me sobre a tua almofada. Era incrível como ainda conservava o perfume dos teus cabelos. Beijei-a e sussurrei para ela como estivesse a dirigir-te uma prece ao teu ouvido, «Regressa. Peço-te por tudo.» Por fim, deixando que o cansaço tomasse conta do meu corpo, deixei-me levar pelos caminhos que tanto ansiava.
Um beijo.
Bêbado de sonho, tolhido pelo medo, tentei falar.
- Não faças barulho. – ouvi a sua voz a sussurrar-me. – Dorme apenas. Eu estou contigo. Estarei sempre. Até que me encontres verdadeiramente. Agora dorme. Haverá tempo para uma próxima noite comigo. Até lá, eu estou e estarei na escuridão do seu retrato.


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