sexta-feira, 28 de março de 2014


Foi um beijo normal.

Todas as vezes que tinha estado com ela tentei dizer-lhe o quanto a amava, mas não consegui ou por medo, ou por cobardia. E, nesse dia, um dia tão normal como os outros, beijei-a sem pedir licença. Arranquei um beijo a toda a força. Senti os lábios encostados aos meus e aquele doce veneno da sedução a correr nas minhas veias.

Foi um beijo normal.

Como qualquer outro. E mesmo que não fosse, beijava-a novamente só para me certificar que o beijo tinha sido um beijo normalíssimo. Foi naquele dia. Foi ontem. Ou hoje. Ou quem sabe amanhã. Fui passear com ela. Falamos de tantas coisas que nas entrelinhas eu só dizia: «beija-me». E foi na despedida. Puxei-a para mim e beijei-a.

Foi um beijo normal.

E mesmo que não fosse, dava-lhe outro beijo.
 
 

quinta-feira, 27 de março de 2014


É curioso como as pessoas mudam com o medo. Fogem. São estúpidas. Imbecis. Tem medo do medo de perder com o medo. Formam camadas de desconfiança porque no passado sofreram ou por medo ou por ignorância, ou porque motivos de pessoas que a iludiram em algo que nunca foi verdade. É isso. Um medo por experiências negativas de um passado que estava condenado. Não agimos agora porque temos medo que o presente e o futuro tenha os mesmos contornos que o passado tivera.
As pessoas são feitas de máscaras. Usam-nas com o medo que o seu «eu» sádico e psicótico seja descoberto. Somos todos loucos, por isso, ocultamos a todo o custa entre inúmeras máscaras, para, numa hipocrisia forçada, o que não queremos mostrar. Somos loucos. A questão é saber como utilizamos a nossa loucura.
Somos loucos e temos medo. O medo toma conta dos nossos gestos, das nossas atitudes, de tudo. Ficamos presos num colete de forças bordado e feito pelo medo de tudo. Mas todas as vezes que deixamos esse medo dominar o nosso ser, todas as vezes que não ousamos algo novo, amar algo novo, morremos e envelhecemos cada dia no medo de perder algo que perdemos porque temos medo de o perder.
Quer algo? Faça. Mesmo que o medo impeça. Nunca se sabe a porta que vamos encontrar. Cada gesto pode ser o último. Tenha um minuto de loucura, pois cada pedaço de loucura imperfeita formam uma felicidade perfeita.  



Lembro-me dos seus cabelos escuros  a voar enquanto o vento soprava ligeiro sobre um sol seco que ardia nos nossos braços. No entanto, continuávamos abraçados um no outro com um medo que nos perdêssemos, ou que eu ou ela nunca mais nos víssemos. Eu passeava com os dedos nas linhas dos seus cabelos a desenhar todo o carinho que sentia por ela. Ela fazia carícias na minha face e nos meus lábios secos e sorria.
-  Amas-me? – perguntou ela ao meu ouvido.
Abracei-a com mais força. Notei uma lágrima em seus olhos. Deixei-a chorar. Não sabia porque motivo, mas deixei-a chorar. De seguida, limpei com os meus dedos a lágrima solitária que fugia na sua face.
- Porque choras? – perguntei eu.
- É este silêncio… este… não me dizes nada… o que significa isto tudo?... de… de que tens medo?  - ficou em silêncio. Não chorava, mas eu sabia que no seu silêncio, lágrimas incorpóreas formavam no seu coração despedaçado.
Ficamos os dois em silêncio.
Eu não sabia o que responder. Ela tinha razão: «eu tinha medo». Qualquer compromisso demonstrava-se um bicho de sete cabeças. Eu amava-a. Só que tinha medo de lhe dizer. Talvez a minha atitude se demonstre um pouco infantil e estúpida. Mas era um facto, eu tinha medo. Tinha medo do fracasso, da traição, que o amor morresse. Tinha acima de tudo medo que ela não me amasse. Tinha medo.
- Queria dizer tantas coisas. Tantas palavras….
Ficamos novamente em silêncio.
Beijou-me.
- Eu amo-te, entendes? – revelou-me ela.
No silêncio, o meu coração batia como uma bomba relógio, olhava para os seus lábios finos que mais pareciam desenhados suavemente num carmesim ligeiro. Sorri nervosamente. Ela olhava-me.
- Estás à espera de quê?
Beijei-a. O medo não podia acobardar-me de amar quem mais eu queria. Ela merecia uma resposta. E teve-a.
- Amo-te também.
Beijei-a novamente.
 
 

domingo, 23 de março de 2014


Foram as lágrimas que me acompanharam esta noite solitária. As lágrimas e uma tristeza que apertava o meu coração de dor e saudade, só porque soube que nunca te poderia ter. Nunca foste minha. Perdi-te. Deixei-te. Sonhei. Mas nada passou disso; de um sonho. Agora, apenas, resta-me memórias na minha cabeça e lágrimas nos meus olhos.
Aquelas lágrimas que não param apesar de eu querer para sempre te esquecer. Deitado estou a contemplar a noite e a chorar com saudades tuas. São umas saudades estúpidas e sem sentido, porque nunca serão retribuídas. Não me amas. Não me queres. Tudo foi um erro eu amar-te. Sempre o soube. O meu coração é que sempre te deseja. E agora sofre porque a verdade foi novamente revelada.
E mais lágrimas. Correm. Escorregam. Deslizam pela minha face à procura da tua. Queria dizer-te tantas coisas. Tantos pensamentos eu tenho enrolados no meu peito! Porque motivo amo sempre as pessoas erradas? E com isto mais lágrimas surgem nos meus olhos. A cada segundo que passa e que eu penso em ti, uma lágrima desaparece no chão do meu quarto.
Choro tudo. Fico horas a pensar em ti e porque razão não te posso ter. A culpa nunca foi tua. Foi minha. E, antes que a última lágrima desapareça no esquecimento, sei o motivo porque nunca te poderei ter. Apenas porque ninguém pode amar um erro como eu. 

Uma lágrima caí. E a última.
 
 

 

terça-feira, 18 de março de 2014


Nunca chorei. Apenas desperdicei lágrimas por vontades que se mostraram supérfluas de desejos que morreram na cinza dos escombros que não existem. O problema de chorar é que não sabemos porque razão lógica choramos. Choramos. Deitamos lágrimas e tudo o que é mais insignificante da nossa vida. Choramos porque desejamos e queremos tudo o que um dia construímos fundado numa ilusão irresponsável.
Odeio tudo o que me tornei e tudo o que construi de um simulacro doentio. Detesto cada palavra que pronuncio sobre a ruína do desespero. Já não luto. Perdi toda a consciência que outrora tinha sobre a minha pessoa. Sorrio, numa hipocrisia forçada, para as pessoas que passam por mim. Tudo é uma mentira de um terror idiota. Não. Não gosto de companhia. A tristeza alegre e monótona de estar sozinho reduz-me a uma insignificância tão profunda que tampouco quero-a deixar.
É isto. O mundo, todo ele, é feito de dor. É o; porque não sabemos realmente nada. Desconhecemos tudo e até a morte absurda é uma incógnita que abafa a nossa razão com sentimentos monstruosos. Contudo, isto não me abala. Já passei por mortes que não me disseram nada. Conheci vidas que repugno a sua existência.  E após isto, acabei por retirar a máscara que me cobria. Arranquei-a de vez e atirei-a para as ilusões já mortas da esperança. Não chorei. Nunca o faço. Apenas desperdicei lágrimas em honra da vida e da ânsia de viver. Nem que isto implique uma representação forçada. Talvez a vida seja isto. Quem o sabe?
 
 

segunda-feira, 17 de março de 2014


Um silêncio de morte…

Um luar reza no alto do céu acompanhado com preces bordadas numa escuridão total e uma ausência prolongada das nuvens. Uma calma insuportável e mesquinha abate-se no meu peito e, como novelos imaginários, os meus pensamentos florescem na minha mente enquanto contemplo esta noite solitária e fugida.

Um silêncio. Um pensamento.

Sentado, com o olhar disperso e calmo, observo a solidão que a cidade respira quando tudo dorme. Tudo está sereno. Vejo as mesmas cenas repetidas inúmeras vezes nos escombros da minha memória: as mesmas casas, as mesmas ruas, as mesmas estradas, os mesmos carros. Tudo permanece igual. Tudo se resume aos mesmos hábitos. Até a noite tem uma vida.

O mesmo ruído que persiste em ficar no ouvido;

Não compreendo a beleza profunda que brota do silêncio da noite. Não a compreendo e é por isso que a amo. A escuridão. O esplêndido céu negro que enche de loucura os meus sentidos. Ao longe, ouço um ruído que me esqueço de escutar. Apenas contemplo a noite, esta presença quase etérea que reduz a minha vida a uma insignificância de aparência. Fecho os olhos. Não sei se tudo foi levado, não sei se tudo foi perdido, não sei se tudo pegou e acabou num sonho. Não sei. Em lugar de todos os sonhos que tenho, apenas queria uma noite para sonhar.

Uma noite qualquer que apenas sonhar quer…  

segunda-feira, 3 de março de 2014


Encontrei-a por mero acaso. Perdido nos meus pensamentos, caminhava com os olhos pelas montras das lojas e pelas pessoas que vagueavam frenéticas no horizonte do meu olhar. Foi aí. Via-a. O meu olhar tocou no seu e reconheci-a. Era ela. Sem tirar nem por. Era ela.
Estava sentado numa explanada de um café a saborear uma água e foi aí que a vi. Caminhava ao meu encontro com um brilho qualquer nos seus olhos. Mas, quanto mais se aproximava, a cada passo que dava, aquela chama que outrora tinha começava a apagar-se. Já fazia muito tempo que não nos víamos. Notava algumas diferenças nas suas feições. A pele estava mais clara, os olhos mais escuros e apresentava-se muito mais magra.
Sentou-se ao meu lado com um “Olá” tímido e olhou-me. Ficamos em silêncio. Apetecia-me dizer-lhe um “amo-te”, mas nada da minha garganta saiu. O silêncio ficou tão expeço que a respiração tornava-se difícil e estranha. Baixei o olhar. Não conseguia suportar o seu olhar inquisidor sobre mim. Olhei-a novamente.
- Como estás? – perguntou-me ela.
Ela sempre falara em poucas palavras. Achava-as desnecessárias. Sempre gostava do silêncio. Apesar de pouco falar, no seu silêncio, na sua mente, corriam tantas palavras e pensamentos. Sempre o soube, apesar de não lhe o dizer. Sabia que ela falava com silêncio. Respondia-me com o silêncio e revelava o que tinha medo com o silêncio. Eu apenas tinha de o saber ouvir.
- Bem. Olha para ti? Como estás diferente! Quanto tempo não nos víamos? Estás bonita… Como sempre.
Tentei sorrir, mas logo o meu sorriso desvaneceu-se passado pouco tempo. Ela demorou tempo a responder. Parecia que formava mentalmente a resposta, no entanto, nada saía. Talvez tivesse medo de responder. Via nos seus olhos um espírito conturbado e apetecia-me dizer-lhe que eu estava ali. Mas nada disse. Aguardei, em silêncio, até que ela respondesse às minhas questões. Neste silêncio, ouvia, a martelar, o meu coração no meu peito.
- Não estou nada bem.
As suas palavras eram secas. Fiquei espantado como seus lábios finos e avermelhados tinham proferido tais palavras. No entanto, compreendia que ela não estava bem. Sofria em silêncio e eu sentia-o. Nesta situação, ninguém tinha culpa. Separarmo-nos porque o Destino assim o quis. Não sabia o que responder, por isso concordei com ela. – Eu sei.
- Sabes? Tu não entendes!
- Pois não. conta-me.
Arrisquei. Tentei arrancar a ferros uma explicação do que ela sentia nesta ausência. O tempo tornou-a fria e insensível. Nunca consegui entender o que o seu coração sentia. Era impenetrável e frio. Disse-lhe, contudo, várias vezes que a amava. Nunca obtive resposta. Certas vezes, estive perto de lhe perguntar se me amava, porém o medo acobardou-me.
Retirado destas divagações, apareceu um empregado e perguntou-lhe se desejava tomar algo. Não queria nada. Assim, o curvado empregado, desapareceu e deixou-nos. Ela continuou.
- Desculpa. Preciso de ti.
Vindo do nada, sem que eu esperasse, um pedido de desculpa sincero foi dito por ela. Sabia, contudo, que na sua cabeça várias ideias explodiam. Era tímida. Sempre gostei ver isso nela. A sua timidez seduzia-me. Novamente o silêncio abafava o ar e selava os nossos lábios. Não sabia o que dizer-lhe. Tantas dúvidas. Tantas perguntas. Tanto tempo longe um do outro e agora o acaso encarregou-se de nos juntar. O que faço? O que respondo?
- Passou muito tempo. – comecei eu.
Ela concordou.
- Apaguei-te. Desculpa.
Levantei-me e deixei umas moedas em cima da mesa de metal para pagar a água. Ela continuava, em silêncio, a olhar-me. O seu olhar confuso perguntava-me o que se passava. Eu continuava em silêncio. Notava as suas mãos a tremer sobre a sua saia. Arrastei a cadeira.
- Já não me amas? – perguntou ela, quase soluçando.
- Desculpa. Tudo agora é tarde. Acabou.
Virei costas e fui embora. Olhei-a. Ela olhava-me enquanto eu caminhava. Virei a cara. Umas lágrimas surgiram dos meus olhos. Não sabia o que fazia. Sabia apenas que a ia perder para sempre. Não a amo?
Olhei-a. Ela continuava hirta e serena, a observar-me. Não brotava lágrimas dos seus olhos, no entanto eu sabia que ela chorava, no seu silêncio.