quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

«Começou numa manhã de Verão»


«Começou numa manhã de Verão», segredou-me ela. Estávamos os dois a contemplar a maresia que batia nas rochas. O suave barulho das ondas enchiam o vento ligeiro que soprava nas nossas faces. O calor queimava os nossos braços, mas não nos incomodava. A maresia suave que vinha da praia causava aquela sensação agradável do calor do sol e o frio do vento.
Olhei-a e sorri. Os seus olhos azuis observavam as crianças que jogavam à bola na beira mar. Tinha um cabelo castanho a fugir para o loiro que lhe caía pelas suas nuas costas. Mexia os seus delicados pés na areia escaldante da praia.
Ficamos os dois em silêncio a observar um barco que flutuava nas ondas azuis do mar. Atrás de nós ouvíamos umas pessoas a explicar como tinha morrido por um cancro no esófago um familiar próximo. Umas gaivotas sobrevoavam as rochas, talvez na procura de moluscos ou de restos de peixes. Bebi, com o barulho, o sumo de laranja que estava na garrafa ao meu lado direito.
«Começou numa manhã de Verão», segredou-me a segunda vez quando se encostou ao meu ouvido. Nada acrescentei. Eu estava ali para ouvi-la e já fazia cinco anos que não nos víamos. Cinco longos anos em que as vidas nos separaram. Agora olhou-me e sorriu um amargo sorriso.
- Porque foste embora?
Ela disse apenas isto, mas a sua vontade era abraçá-lo e dizer que o amava. Às vezes, é necessário ouvir da outra pessoa o que ela não diz.
- Não tive opção. Que fazia aqui?
- Tu não me amavas.
Eu nada respondi. Não tinha coragem para lhe dizer fosse o que fosse. Sei que tinha aberto muitas feridas no seu coração e que nada podia fazer para as sarar. O tempo faz esquecer as feridas, mas não as fecha. Fiquei algum tempo a ver o seu cabelo deitado sobre o seu peito.
- Eu amava-te, mas não te podia ter.
- Deixaste-me durante cinco anos e agora apareces?
Ela não chorava. O tempo tornava-a fria e insensível. O seu olhar penetrante incomodava-me e eu fui obrigado a desvia-lo e ficar a contemplar a paisagem que o meu olhar pintava. Tentava assim ganhar coragem, mas apenas escondidas lágrimas surgiram.
- Compreendi que naquele tempo não te podia ter. Era jovem e imprudente.
Ficamos novamente em silêncio com os olhares fundidos na natureza do mar. as palavras falhavam e as mágoas subiam do esquecimento. Nem eu, nem ela tínhamos ousadia de dizer algo. Estávamos os dois com saudades um do outro, mas recusava-nos a aceitar tal facto.
Olhei-a naqueles olhos claros perdidos. A angústia brotava do meu peito e uma saudade tocava o meu coração. Encostei os meus lábios ao seu ouvido e disse-lhe:
- Desculpa.
Desviei-me e fiquei na expectativa a observá-la. Ela continuava distraída com o seu olhar atento sobre a criançada alegre que brincava com a areia. Ficou assim algum tempo imóvel. Bebi novamente um pouco de sumo. No fim ela olhou-me e ficou naquele fio invisível que só o olhar cria a ver-me. Abraçou-me e disse ao ouvido:
- Como disse, “Começou numa manhã de Verão”, e vai começar mesmo. Estás perdoado. Amo-te tanto.
Beijou-me e eu compreendia o que significava aquele beijo. O amor é assim: deve surgir de um beijo e num olhar carregado de confiança.
«Amo-te também», revelei eu e ficamos assim abraçados naquela manhã de Verão esperando que a noite chegasse.
 
 
 

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